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quarta-feira, 29 de maio de 2013

VIOLÊNCIA COMEÇA EM CASA

Violência começa em casa

FONTE - http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=2255

O noticiário nos informa diariamente sobre atos de violência protagonizados por crianças e adolescentes. A palavra violência refere-se a qualquer comportamento humano que extrapole normas de conduta e cause danos físicos e/ou emocionais. Pode consistir em ações ou omissões, intencionais ou involuntárias, e classifica-se em negligência e abuso físico, sexual e emocional.

Sem desconsiderar fatores políticos e socioeconômicos envolvidos na questão, vamos focalizar o tema no contexto familiar, já que a violência que ocorre em casa está na base de todas as outras. Seu alvo mais vulnerável é a criança e o adolescente, em cujas personalidades ainda em formação tal experiência será integrada como fator determinante de traços, crenças e predisposições futuras.

Balanço divulgado pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, que recebe denúncias de violência contra crianças e adolescentes pelo serviço “disque 100”, revela que desde 2003 foram registradas 167 mil ocorrências em todo o país. Pesquisa realizada em agosto de 2011 pela Universidade Federal de São Carlos mostra que 70% das crianças envolvidas com bullyng – como agentes ou vítimas – sofrem castigos corporais no lar.

Um artigo publicado no New York Times em 22 de setembro de 2011 expõe o resultado de uma pesquisa sobre bullyng, mostrando que adolescentes envolvidos não se reconhecem como agressores nem vítimas. Em vez disso, classificam como “drama” qualquer manifestação nesse sentido, desqualificando o sofrimento envolvido de forma a permitir a continuidade daquilo que consideram inócuo ou engraçado.

A ponta do iceberg

As pesquisas demonstram apenas a ponta do iceberg. Vítimas de violência doméstica, assim como seus parentes e vizinhos, geralmente guardam segredo e o problema só vem à tona quando resulta em atendimento médico. Mesmo assim, lesões corporais que compreendem desde contusões, fraturas e queimaduras até rupturas de órgãos são frequentemente interpretadas nos serviços de saúde como acidentes.

A violência física e sexual vem sendo alvo de campanhas de conscientização ainda de forma tímida, se levar em conta a gravidade do problema. Entretanto, pouco se fala sobre abuso psicológico ou emocional, que tem o agravante de não deixar marcas visíveis. Esse tipo de violência ocorre sob a forma de ameaça, isolamento, indiferença, corrupção, exigências abusivas de desempenho, humilhação, desqualificação e rejeição.

A negligência é caracterizada pela omissão de cuidados e de atendimento às necessidades básicas da criança e do adolescente no que diz respeito à saúde, segurança, alimentação, educação, afeto e respeito.

Estudos neurocientíficos demonstram que toda forma de abuso, bem como o estresse que dela resulta, afeta seriamente o desenvolvimento anatômico e funcional do cérebro de crianças e adolescentes.

De pai para filho

Métodos educativos são transmitidos de geração a geração por meio de crenças nem sempre conscientes que compelem os pais ao uso dos métodos que lhes foram aplicados na infância. Pesquisas sobre a punição física constatam que a grande maioria dos adolescentes que apanham concorda que as crianças que fazem algo errado devem ser castigadas.

Crianças maltratadas tendem a se tornar adultos agressores ou propensos à vitimização. A experiência de maus-tratos mina a autoestima, a autonomia e a capacidade de se ver diante de outra pessoa em condição de igualdade. Estudos realizados em penitenciárias mostram que quase 100% dos criminosos sofreram algum tipo de violência na infância.

Como disse Madre Teresa de Calcutá, “no próprio lar começa a destruição da paz no mundo”. A tradição cultural que estimula os pais a castigarem física e emocionalmente os filhos propaga a cultura do poder à custa do abuso do mais fraco pelo mais forte e contribui para a banalização da violência.

Contudo, o papel da infância vem mudando gradualmente ao longo da história. De um lugar social nulo no Brasil colonial, vem se tornando cada vez mais socialmente relevante. Crianças e adolescentes são hoje reconhecidos como sujeitos de direito.

Podemos observar no discurso dos pais a representação de diversos momentos dessa transição para a cidadania em relação à punição corporal. Há aqueles que defendem que os pais têm plenos poderes para castigar os filhos. Há aqueles que buscam alternativas construtivas de educação. E existem outros que estabelecem limites para os castigos, como bater sem machucar ou humilhar. Depois do castigo, alguns se arrependem, reconhecendo o abuso.

Educação pelo exemplo

Devemos contribuir, por meio da informação, para que a transição cultural se dê mais rapidamente e com menos sofrimento. Medidas preventivas aos maus-tratos infantis devem alcançar setores responsáveis nas áreas jurídica, educacional, de assistência social e saúde pública.

É importante treinar os profissionais de saúde e educação para a detecção de sinais de violência, bem como desenvolver programas de conscientização de pais e familiares sobre as suas consequências. Graças à consciência e ao domínio da linguagem é possível encontrar formas inteligentes de alcançar os objetivos e devemos ensinar esses meios aos nossos filhos.

Podemos ensiná-los a reclamar quando insatisfeitos, a reivindicar sem desrespeitar os direitos alheios, a identificar e expressar sentimentos, a resolver problemas e reconhecer seus erros, a se desculpar, a tolerar a frustração, a conter impulsos, a se solidarizar, a respeitar limites e seguir regras, a construir relacionamentos saudáveis.

Na tarefa de educar, são recursos necessários aos pais a coerência na palavra e na ação, a adoção de valores sólidos, de responsabilidade, consistência, capacidade de cuidar, de amar, dialogar, ter tempo para educar, vontade de aprender e de ser uma pessoa sempre melhor a fim de dar o exemplo e se tornar um bom modelo para o desenvolvimento dos filhos.
 


Vânia de Morais Psicóloga, doutoranda em Linguística (PUC Minas, bolsista pela Fapemig), mestre em Ciências da Saúde (UFMG), pesquisadora em cognição e linguagem. Concentra seus estudos nas questões relativas à linguagem em psicoterapia. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e de Especialização em Terapias cognitivas da UFMG.

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