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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

UMA MULHER NEGRA



Sociedade

Feminismo Negro

'Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário'

Esta coluna é da feminista negra Juliana Borges como parte do movimento #AgoraÉQueSãoElas
por Mauricio Moraes — publicado 04/11/2015 15h31, última modificação 04/11/2015 18h32
Sidney Rocharte
O feminismo negro é o que possibilita que possamos amar e transformar qualquer realidade opressora
'O feminismo negro é o que possibilita que possamos amar e transformar qualquer realidade opressora'
O colunista Maurício Moraes convida a feminista Juliana Borges para ocupar o espaço de sua coluna em CartaCapital  dentro do projeto #AgoraÉQueSãoElas.

O que é ser mulher negra?

Por Juliana Borges
Quando você pensa numa mulher negra, o que vem à sua cabeça? Qual é a imagem que seu cérebro lhe apresenta? As mulheres negras são historicamente estereotipadas e chegaram a ser animalizadas como instáveis, incapazes para o trabalho intelectual, quentes, lascivas, desconfiadas, brutas, impacientes, braçais, bravas.
Um discurso alicerçado na constituição de uma sociedade escravocrata, que persiste com nova roupagem para a manutenção dos mecanismos de opressão, repressão, exploração e abuso que sofremos.
O histórico de exploração e de construção imagética do que é ser negra no Brasil, a ponto de nos obrigar a reconstruir nossa identidade, nos garante o direito de sermos bravas. Mas chamam-nos bravas, raivosas, para deslegitimar a indignação e revolta pela exploração a que somos submetidas.
Não somos braçais. Dizem-nos braçais, “as que aguentam”, como pretexto para que nos fizessem cargueiros, como mão de obra superexplorada, escravizada até pouco mais de cem anos, e corpos violados pelos “senhores”. Não somos impacientes. Dizem-nos impacientes para desautorizar nossa ânsia por liberdade e igualdade.
Tomamos para nós a tarefa da resistência não por escolha, mas porque nos tiraram o direito ao núcleo familiar quando nos separaram de nossos companheiros e quando os assassinaram, assim como a nossos pais, tios, primos, irmãos e filhos.
Aprendemos a resistência como único meio de sobrevivência frente à barbárie a qual somos submetidas. Aprendemos a guerrear como único meio de defesa do que sobrou de nossos lares e de nossa história.
Subverteremos a sensualização a qual somos constantemente submetidas e celebraremos nossos corpos explorados pelo desejo da negação e tentativa de inferiorização. Nossos quadris, nossos seios serão celebrados como rainhas não de uma festa, mas da vida inteira.
Sob este discurso, espaços nos são negados. Se as mulheres são subrepresentadas, faça mais um recorte. Com certeza, uma mulher negra estará mais ainda sem voz, sem espaço e representatividade.
Nossa autoestima é confrontada todos os dias por não nos enxergarmos em nenhuma revista, programa de TV, comercial. E mais que isso, nossa autoestima é confrontada todos os dias porque, por muito tempo, o amor nos foi negado.
Ser mulher negra é um processo de reencontro cotidiano, de reconstrução da identidade que nos foi tomada e negada. Bell Hooks, em um de seus textos mais notórios, fala sobre a vivência do amor para os negros e, principalmente, para as mulheres negras. Sobre essa experiência roubada, a de amar. 
E é aí que reside umas das questões fundamentais do feminismo negro: a condição para que o “ser brava” não sirva aos interesses da branquitude, mas que transforme este grito, há tanto reprimido, em luta transformadora, garantidas todas as especificidades das opressões que vivemos.
A condição para que subvertamos esta lógica e amemos. Tenho uma amiga, e ela saberá quando ler, que diz que “uma mulher negra feliz é um ato revolucionário”. E essa felicidade passa pela reconstituição do amor que liberta.
Às mulheres negras foi imposto se preocupar e cuidar do outro, abrir mão de necessidades próprias. E, por desconhecer essa possibilidade de amor, afastamos e respondemos agressivamente. Porque a agressão é o que está mais presente em nosso cotidiano em um amplo espectro de violência.
Ser brava passa por isso e potencializa-se quando passamos pelo processo de reconstrução identitária, do nosso processo de cura. É preciso reconstituir cacos internos para recompor esse ser que habitamos e para expormos. Acredito fortemente nessa potência do amor.
O feminismo negro tem em uma de suas facetas essa subversão de imagens e construções históricas, que se apresentam na especificidade mais totalizante que podemos ansiar na luta que travamos pela justiça e pela igualdade. É a transformação em potência máxima da resistência e da libertação não só das mulheres negras.
O feminismo negro é o que possibilita que possamos bravamente amar e, assim, destruir e transformar qualquer realidade opressora à nossa frente.
E esse amor revolucionário transborda. Aliar-se a nós é se deixar levar por esse mar ora bravo ora sereno. Mergulhar nesse processo revolucionário e nos enxergar em nossa inteireza.
Quantos textos literários de mulheres negras você leu? Quantas intelectuais negras você leu? A quantos filmes produzidos por mulheres negras você assistiu? Quantas produtoras negras você conhece? Deixa esse bravo amor entrar.
* Juliana Borges é formada em Letras. Está, hoje, Secretária Municipal de Mulheres do PT São Paulo.

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